quarta-feira, 16 de abril de 2014

A formação do Novo Testamento



A FORMAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO

Formação do Cânon apologético

A apologética cristã sempre esteve acesa, os escritos de João um dos trabalhos apologéticos mais consistentes por se tratarem fundamentalmente de uma Escritura inspirada. O Evangelho por sinal passa da linha biográfica de Jesus deixando de ser um relato somente do que ele fez, ele defende sobre tudo sua humanidade e divindade. Parte dos helenistas e romanos na época dos escritos de João eram gnósticos e esta crença prejudicava a pregação de que Jesus é Deus encarnado. Pelo fato de considerarem a matéria ser má por completo, para este grupo era impossível o cristianismo divulgar que "um deus", plenamente espiritual e majoritário poderia se rebaixar à carne. Por isso Jesus era somente divino e jamais podia ser carne conjuntamente, por mais que entre os gnósticos houve um ramo de cristãos. João em sua Primeira Epístola adverte:

"Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são  de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne  não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes  que há de vir, e eis que já está no mundo." (1 João 4.1-3)

João afirma que o que vem deste grupo não é genuinamente de Cristo, mas do maligno.
Temos também o caso o ebionismo que é o contrário extremo, onde defender o conceito de divindade de Jesus era improvável, estes se destacavam entre os judeus, que radicalmente e por inúmeras vezes questionaram a Jesus pessoalmente para fazê-lo cair nalguma cilada para que ficasse provado segundo o conceito ebionita que era impossível "aquele nazareno" ser Deus. Apesar de gonsticismo e ebionismo terem o mesmo conceito de imaterialidade de Deus a perseguição à pessoa de Jesus pregada como Deus era uma perseguição radical ao ponto de tê-lo levado a cruz.

João 1.1, 14 dá conta de responder a tanto a questão dos gnósticos quanto dos ebionitas, pois o Verbo descrito no versículo 1, sendo este Deus se fez carne segundo o versículo 14. Ou seja, sendo Deus espírito  também se fez carne claramente. Como a questão circundava sempre em torno da pessoa de Jesus e como o ebionismo era bastante preponderante mais tarde Agostinho de Hiponia escreve um tratado chamado A Trindade, de Agostinho de Hipona (354-430 d.C). O trecho que será exposto é do Livro I, Capítulo VI onde Agostinho argumenta quanto a Jesus ter a mesma substância do Pai.

“Aqueles que afirmaram que nosso Senhor Jesus Cristo não é Deus, ou que não é verdadeiro Deus, ou que não é um só Deus com o Pai, ou que não é imortal por ser mutável sejam convencidos de seu erro pelo claríssimo testemunho e pela afirmação unânime dos Livros santos, dos quais são estas palavras: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus" (Jo 1.1). Está claro que nós reconhecemos o Verbo de Deus como o Filho único do Pai, do qual se diz depois: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1.14), em referência ao nascimento pela sua encarnação, ocorrida no tempo, tendo a Virgem como mãe.

Nessa passagem, o evangelista declara que o Verbo não é somente Deus, mas consubstancial ao Pai, pois, após dizer: "E o Verbo era Deus", acrescenta: "No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada foi feito do que existe" (Jo 1.2-3). Diz "tudo", de modo a incluir tudo o que foi criado, ou seja, todas as criaturas. Consta aí claramente que não foi criado aquele por quem tudo foi criado. E se não foi criado, não é criatura, e se não é criatura, é consubstancial ao Pai. Toda substância que não é Deus, é criatura, e a que não é criatura, é Deus. E se o Filho não é consubstancial ao Pai, é uma substância criada; e se é uma substância criada, todas as coisas não foram feitas por ele. Ora, está escrito: "Tudo foi feito por ele"; portanto, é consubstancial ao Pai. Assim, não é somente Deus, mas verdadeiro Deus.”

Isto trás uma profunda reflexão sobre a importância da manutenção da leitura das Escrituras, pois João trabalhou com ardor para deixar a verdade tão estampada e velada por Deus ao longo da história da igreja que se manteve comprometida em manter estes escritos vivos. João escreve o Evangelho que recebe seu nome, mais três Epístolas, além de Apocalipse, num total de cinco obras e o levando a ser o segundo maior escritor do Novo Testamento, mas que talvez o que tratou com muito mais afinco o Teísmo. Por isso não é exagero se pensarmos que por conta disto seus escritos tenham sido decisivos na elaboração do Cânon Neotestamentário, já que um dos cismas da época da elaboração era justamente a divindade de João, mesmo cerca de 70 anos após sua morte em Patmus.
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Bibliografia:
MIller, Stephen M, Huber, Robert V.. A Bíblia e Sua História - O Surgimento e o Impacto da Bíblia. SBB. 2006.
Inc., Ther B.B. Kirkbrigdge Company, Suplemento Teológico. Editora Vida. 1992.
De Carvalho, Antônio Vieira. Introdução ao Estudo da Bíblia. Hagnos. 2003.

Os cismas

Os Pais da Igreja (também chamados de Pais Apostólicos) que cooperaram com a formação da coleção de textos do Novo Testamento que temos hoje foram basicamente:
·         Irineu (Lyons 180 d.C.)
·         Basiliades (180 d.C.)
·         Orígenes (250 d.C.)
·         Eusébio (Cesaréia 265 d.C.)

A presença deles, seus embasamentos e averiguações dos textos Neotestamentários cooperou severamente para o Concílio que reuniu os 27 livros que hoje temos, mas isto vermos adiante.
Pelo menos entre os três primeiros séculos três figuras são emblemáticas ao tentarem contradizer os textos do Novo Testamento, falo de Marcião, Taciano e Montano.

Marcião 140 d.C.- Marcião não introduziu entre a igreja nenhum livro do Antigo Testamento, considerou todo ele lenda judaica. Marcião então aceitava somente 11 livros dos 27 do Novo Testamento e os 11 não expunham claramente a humanidade de Jesus, para Marcião, Jesus é o único Deus verdadeiro, sem qualquer semelhança como apresentado no Antigo Testamento e habitar na matéria era absurdo. Como alguns livros não falavam da questão da humanidade de Jesus, isto do ponto de vista de Marcião cooperava com suas ideias, e assim como excluiu de entre os cristãos o Antigo Testamento inteiro fez o mesmo com alguns que consideramos hoje. Sua coleção se resume em Lucas, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Éfesios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses e Filemom

Note que não há nenhum escrito de João, que amplamente fala de o Pai e Jesus serem um só e o mesmo, ou seja o principal autor sobre o assunto. Marcião foi excomungado em 144 d.C. por suas heresias.

Taciano (170 d.C.) - Ao mesmo tempo que considerava os Evangelhos confusos fez deles uma escrita única, dando uma afeição de uma obra escrita por uma única pessoa sobre várias perspectivas de Cristo, ele deu o nome a essa obra de Diatessaron que quer dizer Harmonia de Quatro. Justino e Basiliades (ambos 150 d.C.) já haviam feito um análise de cada Evangelho e visto a particularidade de cada um com uma configuração para grupos distintos. O caso do Evangelho de Mateus que tem uma linguagem hebraica, expondo sermões particulares de Jesus sobre aspectos da vida moral como nos capítulos de 5 a 7. Bem diferente de João como já vimos que trata de questões mais filosóficas e expositivas da divindade de Cristo. A sociedade do Evangelho de Mateus era distinta a de João, Taciano não via por esse prisma. Ele também nem sequer mencionava os outros escritos e assim como Marcião "excomungou" o restante e fez dos Evangelhos uma obra única. Além de fazer uma reunião desconexa dos Evangelhos, Taciano incluiu relatos de transmissões orais questionáveis jamais mencionadas entre os primeiros cristãos sobre a pessoa de Jesus.

Montano (II e III d.C.) - antes de dizer-se convertido ao cristianismo, Montano era integrante de uma religião pagã profundamente mística. Este talvez seja o mais confuso de todos, tinha tudo como inspirado e nada fechado. Enquanto havia muita pesquisa em sua época para um Cânon concreto ele agregava qualquer coisa. Sua ideia era de que a inspiração profética para escrituras sagradas não estava fechada, ou seja, se Montano estivesse vivo até hoje, até hoje qualquer coisa segundo seu crivo poderia ser inspirado. A partir de Montano surgiram os montanistas. A história descreve os montanistas como um grupo de religiosidade fanática que vivia das revelações proféticas sem fundamentação bíblica.

Estes três são particularmente citados pela desordem quanto a qualificação dos escritos bíblicos. Por exemplo, Ário, que era um Bispo em Alexandria não considerava Jesus como sendo o próprio Deus, mas não anulou a autenticidade dos escritos de João e o restante do Novo Testamento, ele os interpretava por outra perspectiva, por isso dificilmente o veremos citado nos cismas quanto à questão do Cânon do Novo Testamento. Mais tarde Agostinho o refuta com a doutrina da consubstanciação (Jesus, o Filho, tem a mesma substância do Pai). Esta é outra questão.
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Bibliografia:
MIller, Stephen M, Huber, Robert V.. A Bíblia e Sua História - O Surgimento e o Impacto da Bíblia. SBB. 2006.
Inc., Ther B.B. Kirkbrigdge Company, Suplemento Teológico. Editora Vida. 1992.
De Carvalho, Antônio Vieira. Introdução ao Estudo da Bíblia. Hagnos. 2003.

Os critérios de exame e fechamento do Novo Testamento

Com Marcião tendo certa influência na igreja a ponto de um grupo chamado marcionitas difundir suas ideias, era comum os cismas estarem assediando muitos crentes. Entretanto, a grande diferença entre Marcião e os Pais da igreja estava no fato de que Marcião não só negava a humanidade de Jesus, mas eliminou diversas literaturas como vimos no artigo anterior. Enquanto os Pais da igreja se preocupavam em examinar minuciosamente as questões que envolviam os textos Neotestamentários, sem deixar a disposição dos crentes mesmo os conteúdos que questionavam, Marcião arbitrariamente eliminou tudo o que quis e o que não para justificar sua teologia pessoal.

Obviamente passou a ser necessária uma total atenção aos textos e as heresias que rondavam o cuidado de teólogos como Origenes, que se esforçou para averiguar na igreja e não por particularidade o que de fato era aceitável ou não. Orígenes estabeleceu três critérios pessoais de exame para o Novo Testamento ainda não fechado:

1 - Quais livros eram comumente aceitos pela igreja;
2 - Quais eram questionados para serem avaliados com mais cuidado;
3 - Quais nunca foram confiáveis.

A princípio estes critérios parecem querer levantar suspeitas quanto à veracidade de alguns textos, mas não era essa a intenção de Orígenes, pois o critério foi baseado na observação da igreja. Pelo contrário, ele mesmo manteve 21 escritos em plena leitura pessoal e na igreja em seus cultos, estes livros são:
1 - Quais livros eram comumente aceitos pela igreja - (Obs.: todo o Antigo Testamento) Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios,  Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemon, 1 Pedro, 1 João e Apocalípse. Origenes deixou este livros na ordem de culto seguindo o primeiro critério de observação e avaliação.

Já para o segundo critério, temos:
2 - Quais eram questionados para serem avaliados com mais cuidado - Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas. Sob o este segundo critério a igreja via os textos com uma leitura bastante judaizante. Linguagens como sacerdote, tribos dispersas e sobre anjos geravam uma determinada dúvida e o medo até ali era de que o mesmo ocorrido entre os primeiros cristãos narrados em Atos 15 e Gálatas 2 viesse a assombrar a igreja mais uma vez quando queriam que os crentes se movessem a preceitos judaicos. Isto para Origenes não significa que estes livros não entrariam futuramente em uma coleção mais bem compreendida. Justino e Basiliades aviam feito uma mesma avaliação dos Evangelhos e depois de muita observação chegaram à conclusão de que não se tratavam de livros contraditórios, mas contextuais. Isto influenciou todos os Pais da Igreja posteriormente, inclusive Orígenes que não ousou questionar, mas usar os Evangelhos.

Quanto ao terceiro critério não se inclui nenhum dos 27 livros mencionado entre os critérios 1 e 2, os livros a seguir eram:

3 - Quais nunca foram confiáveis:
·         Evangelho de Tomé,
·         Evangelho dos Egípcios
·         Evangelho de Matias.

De fato, nenhum destes três livros jamais entrou em qualquer coleção oficial entre os teólogos antes ou depois dos Concílios que definitivamente fecharam Cânon.
Irineu em 180 d.C. já avaliava os textos gerais Neotestamentários, Origenes parece só seguir a mesma linha e assim como Justino e Basilíades os influenciaram a manter os Evangelhos no culto cristão, Origenes e Irineu e seus exames influenciaram na coleção completa de 325 d.C chamado Codex Sinaítico. O princípio de avaliação utilizado na elaboração do Codex foi o mesmo dos Evangelhos Sinóticos, vendo que cada texto particularmente compunha uma ordem doutrinária, mesmo em datas distintas e autores diversos assim como ocorreu com o Antigo Testamento. O Apocalipse de João narra, por exemplo, a fala de Jesus quanto ao dever de João de escrever e o que viu em revelação (Ap 1.19). Isto não só dá um tom de autoridade para o texto quanto para o escritor. Sendo assim todos os outros escritos de João passam a ter o mesmo peso, pois basicamente João escreve seus cinco livros na mesma época e tudo tem uma narrativa parecida e complementar. O fato dos textos Neotestamentários terem poucos autores, facilitou o exame e conclusão. Os autores e seus escritos são estes:

·         Mateus (1)
·         Marcos (1)
·         Lucas (2 - Evangelho e Atos)
·         João (5 - um Evangelho, três Epístolas e Apocalipse)
·         Pedro (2 - suas Epístolas)
·         Tiago (1)
·         Judas (1)
·         Paulo (13)
·         *Só Hebreus fica com autor indeterminado.

Eusébio de Cesaréia e sua contribuição para o Cânon

A contribuição de Eusébio de Cesaréia é significativa pela época em que ele vivia. Em 320 d.C., Antes da elaboração do Codex Sinaítico, a pedido de Constantino, Eusébio publicou 50 Bíblias levando em conta os dois primeiros critérios de Orígenes, e sendo assim, oficialmente a Bíblia sob encomenda tinha os 27 livros, mesmo que o segundo critério de Origenes ainda estivesse em voga na igreja. Mais tarde as questões sobre Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas vão se diluindo e o Concilio de Niceia ajuda nesta questão.

O Codex Sinaítico de 325 d.C. ganha mais força com o Concílio de Nicéia no mesmo ano, onde os bispos entendem e aceitam plenamente que o Novo Testamento estava completo naquele momento com os 27 livros e mais tarde em 365 d.C. Atanásio numa Carta Pascal lista 27 livros Neotestamentários. Em Cartago ocorrem dois importantes concílios e o tema recorrente é o Novo Testamento, ambos os Concílios, o de 397 d.C. e o de 419 d.C. definitivamente fecham a questão quanto a questão do Novo Testamento e os 27 livros se mantêm.

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Bibliografia:
MIller, Stephen M, Huber, Robert V.. A Bíblia e Sua História - O Surgimento e o Impacto da Bíblia. SBB. 2006.
Inc., Ther B.B. Kirkbrigdge Company, Suplemento Teológico. Editora Vida. 1992.
De Carvalho, Antônio Vieira. Introdução ao Estudo da Bíblia. Hagnos. 2003.

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