A
FORMAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO
Formação
do Cânon apologético
A apologética cristã sempre esteve acesa, os
escritos de João um dos trabalhos apologéticos mais consistentes por se
tratarem fundamentalmente de uma Escritura inspirada. O Evangelho por sinal
passa da linha biográfica de Jesus deixando de ser um relato somente do que ele
fez, ele defende sobre tudo sua humanidade e divindade. Parte dos
helenistas e romanos na época dos escritos de João eram gnósticos e esta crença
prejudicava a pregação de que Jesus é Deus encarnado. Pelo fato de considerarem
a matéria ser má por completo, para este grupo era impossível o cristianismo
divulgar que "um deus", plenamente espiritual e majoritário poderia
se rebaixar à carne. Por isso Jesus era somente divino e jamais podia ser carne
conjuntamente, por mais que entre os gnósticos houve um ramo de cristãos. João
em sua Primeira Epístola adverte:
"Amados, não creiais a todo o espírito, mas
provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se
têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito
que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo o espírito que
não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o
espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já
está no mundo." (1 João 4.1-3)
João afirma que o que vem deste grupo não é
genuinamente de Cristo, mas do maligno.
Temos também o caso o ebionismo que é o contrário
extremo, onde defender o conceito de divindade de Jesus era improvável, estes
se destacavam entre os judeus, que radicalmente e por inúmeras vezes
questionaram a Jesus pessoalmente para fazê-lo cair nalguma cilada para que
ficasse provado segundo o conceito ebionita que era impossível "aquele
nazareno" ser Deus. Apesar de gonsticismo e ebionismo terem o mesmo
conceito de imaterialidade de Deus a perseguição à pessoa de Jesus pregada como
Deus era uma perseguição radical ao ponto de tê-lo levado a cruz.
João 1.1, 14 dá conta de responder a tanto a
questão dos gnósticos quanto dos ebionitas, pois o Verbo descrito no versículo
1, sendo este Deus se fez carne segundo o versículo 14. Ou seja, sendo Deus
espírito também se fez carne claramente. Como a questão circundava sempre
em torno da pessoa de Jesus e como o ebionismo era bastante preponderante mais
tarde Agostinho de Hiponia escreve um tratado chamado A Trindade, de
Agostinho de Hipona (354-430 d.C). O trecho que será exposto é
do Livro I, Capítulo VI onde Agostinho argumenta quanto a Jesus ter a
mesma substância do Pai.
“Aqueles que afirmaram que nosso Senhor Jesus
Cristo não é Deus, ou que não é verdadeiro Deus, ou que não é um só Deus com o
Pai, ou que não é imortal por ser mutável sejam convencidos de seu erro pelo
claríssimo testemunho e pela afirmação unânime dos Livros santos, dos quais são
estas palavras: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o
Verbo era Deus" (Jo 1.1). Está claro que nós reconhecemos o Verbo de Deus
como o Filho único do Pai, do qual se diz depois: "E o Verbo se fez carne
e habitou entre nós" (Jo 1.14), em referência ao nascimento pela sua encarnação,
ocorrida no tempo, tendo a Virgem como mãe.
Nessa passagem, o evangelista declara que o Verbo
não é somente Deus, mas consubstancial ao Pai, pois, após dizer: "E o
Verbo era Deus", acrescenta: "No princípio, ele estava com Deus. Tudo
foi feito por ele e sem ele nada foi feito do que existe" (Jo 1.2-3). Diz
"tudo", de modo a incluir tudo o que foi criado, ou seja, todas as
criaturas. Consta aí claramente que não foi criado aquele por quem tudo foi
criado. E se não foi criado, não é criatura, e se não é criatura, é
consubstancial ao Pai. Toda substância que não é Deus, é criatura, e a que não
é criatura, é Deus. E se o Filho não é consubstancial ao Pai, é uma substância
criada; e se é uma substância criada, todas as coisas não foram feitas por ele.
Ora, está escrito: "Tudo foi feito por ele"; portanto, é
consubstancial ao Pai. Assim, não é somente Deus, mas verdadeiro Deus.”
Isto trás uma profunda reflexão sobre a importância
da manutenção da leitura das Escrituras, pois João trabalhou com ardor para
deixar a verdade tão estampada e velada por Deus ao longo da história da igreja
que se manteve comprometida em manter estes escritos vivos. João escreve o
Evangelho que recebe seu nome, mais três Epístolas, além de Apocalipse, num
total de cinco obras e o levando a ser o segundo maior escritor do Novo
Testamento, mas que talvez o que tratou com muito mais afinco o Teísmo. Por
isso não é exagero se pensarmos que por conta disto seus escritos tenham sido
decisivos na elaboração do Cânon Neotestamentário, já que um dos cismas da
época da elaboração era justamente a divindade de João, mesmo cerca de 70 anos
após sua morte em Patmus.
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Bibliografia:
MIller, Stephen M, Huber, Robert V.. A Bíblia e Sua História - O Surgimento e o Impacto da Bíblia. SBB. 2006.
Inc., Ther B.B. Kirkbrigdge Company, Suplemento
Teológico. Editora Vida. 1992.
De Carvalho, Antônio Vieira. Introdução ao
Estudo da Bíblia. Hagnos. 2003.
Os cismas
Os Pais da Igreja (também chamados de Pais
Apostólicos) que cooperaram com a formação da coleção de textos do Novo Testamento
que temos hoje foram basicamente:
·
Irineu (Lyons 180 d.C.)
·
Basiliades (180 d.C.)
·
Orígenes (250 d.C.)
·
Eusébio (Cesaréia 265 d.C.)
A presença deles, seus embasamentos e averiguações
dos textos Neotestamentários cooperou severamente para o Concílio que reuniu os
27 livros que hoje temos, mas isto vermos adiante.
Pelo menos entre os três primeiros séculos três
figuras são emblemáticas ao tentarem contradizer os textos do Novo Testamento,
falo de Marcião, Taciano e Montano.
Marcião 140 d.C.- Marcião não introduziu entre
a igreja nenhum livro do Antigo Testamento, considerou todo ele lenda judaica.
Marcião então aceitava somente 11 livros dos 27 do Novo Testamento e os 11 não
expunham claramente a humanidade de Jesus, para Marcião, Jesus é o único
Deus verdadeiro, sem qualquer semelhança como apresentado no Antigo
Testamento e habitar na matéria era absurdo. Como alguns livros não
falavam da questão da humanidade de Jesus, isto do ponto de vista de Marcião
cooperava com suas ideias, e assim como excluiu de entre os cristãos o Antigo
Testamento inteiro fez o mesmo com alguns que consideramos hoje. Sua coleção se
resume em Lucas, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Éfesios, Filipenses,
Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses e Filemom
Note que não há nenhum escrito de João, que
amplamente fala de o Pai e Jesus serem um só e o mesmo, ou seja o principal
autor sobre o assunto. Marcião foi excomungado em 144 d.C. por suas heresias.
Taciano (170 d.C.) - Ao mesmo tempo que
considerava os Evangelhos confusos fez deles uma escrita única, dando uma
afeição de uma obra escrita por uma única pessoa sobre várias perspectivas de
Cristo, ele deu o nome a essa obra de Diatessaron que quer
dizer Harmonia de Quatro. Justino e Basiliades (ambos 150 d.C.) já
haviam feito um análise de cada Evangelho e visto a particularidade de cada um
com uma configuração para grupos distintos. O caso do Evangelho de Mateus que
tem uma linguagem hebraica, expondo sermões particulares de Jesus sobre
aspectos da vida moral como nos capítulos de 5 a 7. Bem diferente de
João como já vimos que trata de questões mais filosóficas e expositivas da
divindade de Cristo. A sociedade do Evangelho de Mateus era distinta a de João,
Taciano não via por esse prisma. Ele também nem sequer mencionava os outros
escritos e assim como Marcião "excomungou" o restante e fez dos
Evangelhos uma obra única. Além de fazer uma reunião desconexa dos Evangelhos,
Taciano incluiu relatos de transmissões orais questionáveis jamais mencionadas
entre os primeiros cristãos sobre a pessoa de Jesus.
Montano (II e III d.C.) - antes de dizer-se
convertido ao cristianismo, Montano era integrante de uma religião pagã
profundamente mística. Este talvez seja o mais confuso de todos, tinha tudo
como inspirado e nada fechado. Enquanto havia muita pesquisa em sua época para
um Cânon concreto ele agregava qualquer coisa. Sua ideia era de que a
inspiração profética para escrituras sagradas não estava fechada, ou seja, se
Montano estivesse vivo até hoje, até hoje qualquer coisa segundo seu crivo
poderia ser inspirado. A partir de Montano surgiram os montanistas. A história
descreve os montanistas como um grupo de religiosidade fanática que vivia das
revelações proféticas sem fundamentação bíblica.
Estes três são particularmente citados pela
desordem quanto a qualificação dos escritos bíblicos. Por exemplo, Ário, que
era um Bispo em Alexandria não considerava Jesus como sendo o próprio Deus, mas
não anulou a autenticidade dos escritos de João e o restante do Novo Testamento,
ele os interpretava por outra perspectiva, por isso dificilmente o veremos
citado nos cismas quanto à questão do Cânon do Novo Testamento. Mais tarde
Agostinho o refuta com a doutrina da consubstanciação (Jesus, o Filho, tem a
mesma substância do Pai). Esta é outra questão.
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Bibliografia:
MIller, Stephen M, Huber, Robert V.. A
Bíblia e Sua História - O Surgimento e o Impacto da Bíblia. SBB. 2006.
Inc., Ther B.B. Kirkbrigdge Company, Suplemento
Teológico. Editora Vida. 1992.
De Carvalho, Antônio Vieira. Introdução ao
Estudo da Bíblia. Hagnos. 2003.
Os
critérios de exame e fechamento do Novo Testamento
Com Marcião tendo certa influência na igreja a
ponto de um grupo chamado marcionitas difundir suas ideias, era comum os cismas
estarem assediando muitos crentes. Entretanto, a grande diferença entre
Marcião e os Pais da igreja estava no fato de que Marcião não só negava
a humanidade de Jesus, mas eliminou diversas literaturas como vimos
no artigo anterior. Enquanto os Pais da igreja se preocupavam em examinar
minuciosamente as questões que envolviam os textos Neotestamentários, sem
deixar a disposição dos crentes mesmo os conteúdos que questionavam, Marcião
arbitrariamente eliminou tudo o que quis e o que não para justificar sua
teologia pessoal.
Obviamente passou a ser necessária uma total
atenção aos textos e as heresias que rondavam o cuidado de teólogos como
Origenes, que se esforçou para averiguar na igreja e não por particularidade o
que de fato era aceitável ou não. Orígenes estabeleceu três critérios pessoais
de exame para o Novo Testamento ainda não fechado:
1 - Quais livros eram comumente aceitos pela
igreja;
2 - Quais eram questionados para serem avaliados
com mais cuidado;
3 - Quais nunca foram confiáveis.
A princípio estes critérios parecem querer levantar
suspeitas quanto à veracidade de alguns textos, mas não era essa a intenção de
Orígenes, pois o critério foi baseado na observação da igreja. Pelo contrário,
ele mesmo manteve 21 escritos em plena leitura pessoal e na igreja em seus
cultos, estes livros são:
1 - Quais livros eram comumente aceitos pela igreja
- (Obs.: todo o Antigo Testamento) Mateus, Marcos, Lucas,
João, Atos, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses,
Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemon, 1 Pedro, 1
João e Apocalípse. Origenes deixou este livros na ordem de culto
seguindo o primeiro critério de observação e avaliação.
Já para o segundo critério, temos:
2 - Quais eram questionados para serem avaliados
com mais cuidado - Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas. Sob
o este segundo critério a igreja via os textos com uma leitura
bastante judaizante. Linguagens como sacerdote, tribos dispersas e sobre
anjos geravam uma determinada dúvida e o medo até ali era de que
o mesmo ocorrido entre os primeiros cristãos narrados em Atos 15 e Gálatas 2
viesse a assombrar a igreja mais uma vez quando queriam que os crentes se
movessem a preceitos judaicos. Isto para Origenes não significa que estes
livros não entrariam futuramente em uma coleção mais bem compreendida. Justino
e Basiliades aviam feito uma mesma avaliação dos Evangelhos e depois de muita
observação chegaram à conclusão de que não se tratavam de livros
contraditórios, mas contextuais. Isto influenciou todos os Pais da Igreja
posteriormente, inclusive Orígenes que não ousou questionar, mas usar os
Evangelhos.
Quanto ao terceiro critério não se inclui nenhum
dos 27 livros mencionado entre os critérios 1 e 2, os livros a seguir eram:
3 - Quais nunca foram confiáveis:
·
Evangelho de Tomé,
·
Evangelho dos Egípcios
·
Evangelho de Matias.
De fato, nenhum destes três livros jamais entrou em
qualquer coleção oficial entre os teólogos antes ou depois dos Concílios que
definitivamente fecharam Cânon.
Irineu em 180 d.C. já avaliava os textos gerais
Neotestamentários, Origenes parece só seguir a mesma linha e assim como Justino
e Basilíades os influenciaram a manter os Evangelhos no culto cristão, Origenes
e Irineu e seus exames influenciaram na coleção completa de 325 d.C chamado
Codex Sinaítico. O princípio de avaliação utilizado na elaboração do Codex foi
o mesmo dos Evangelhos Sinóticos, vendo que cada texto particularmente compunha
uma ordem doutrinária, mesmo em datas distintas e autores diversos assim como
ocorreu com o Antigo Testamento. O Apocalipse de João narra, por exemplo, a
fala de Jesus quanto ao dever de João de escrever e o que viu em
revelação (Ap 1.19). Isto não só dá um tom de autoridade para o texto
quanto para o escritor. Sendo assim todos os outros escritos de João passam a
ter o mesmo peso, pois basicamente João escreve seus cinco livros na mesma
época e tudo tem uma narrativa parecida e complementar. O fato dos textos
Neotestamentários terem poucos autores, facilitou o exame e conclusão. Os
autores e seus escritos são estes:
·
Mateus (1)
·
Marcos (1)
·
Lucas (2 - Evangelho e Atos)
·
João (5 - um Evangelho, três Epístolas e
Apocalipse)
·
Pedro (2 - suas Epístolas)
·
Tiago (1)
·
Judas (1)
·
Paulo (13)
·
*Só Hebreus fica com autor indeterminado.
Eusébio de Cesaréia e sua contribuição para o Cânon
A contribuição de Eusébio de Cesaréia é
significativa pela época em que ele vivia. Em 320 d.C., Antes da elaboração do
Codex Sinaítico, a pedido de Constantino, Eusébio publicou 50 Bíblias
levando em conta os dois primeiros critérios de Orígenes, e sendo assim,
oficialmente a Bíblia sob encomenda tinha os 27 livros, mesmo que o segundo
critério de Origenes ainda estivesse em voga na igreja. Mais tarde as questões
sobre Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas vão se
diluindo e o Concilio de Niceia ajuda nesta questão.
O Codex Sinaítico de 325 d.C. ganha mais força com
o Concílio de Nicéia no mesmo ano, onde os bispos entendem e
aceitam plenamente que o Novo Testamento estava completo naquele momento
com os 27 livros e mais tarde em 365 d.C. Atanásio numa Carta Pascal
lista 27 livros Neotestamentários. Em Cartago ocorrem dois importantes
concílios e o tema recorrente é o Novo Testamento, ambos os Concílios, o de 397
d.C. e o de 419 d.C. definitivamente fecham a questão quanto a questão do Novo
Testamento e os 27 livros se mantêm.
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Bibliografia:
MIller, Stephen M, Huber, Robert V.. A Bíblia e Sua História - O Surgimento e o Impacto da Bíblia. SBB. 2006.
Inc., Ther B.B. Kirkbrigdge Company, Suplemento
Teológico. Editora Vida. 1992.
De Carvalho, Antônio Vieira. Introdução ao
Estudo da Bíblia. Hagnos. 2003.
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